São Paulo depois das 18h30
Quando a cidade termina o expediente, Olavo Medeiros aponta sua lente e revela um centro da capital paulista cheio de cor, gente e histórias iluminadas por uma luz amarela
    No centro de São Paulo, quando o relógio passa das 18h30 e o comércio baixa as portas, começa outro tipo de expediente. É quando a cidade acende sua luz barroca – aquele tom amarelado que se derrama pelas esquinas, transformando postes em candelabros e sombras em personagens. É nesse horário que Olavo Medeiros sai de casa com sua câmera pendurada no pescoço, meio flâneur, meio guia, meio caçador de luz.
Um engraxate cochilando na região da Praça Antônio Prado. Um registro tão calmo e bonito que parece tirar férias do caos. A sola gasta do sapato, a cadeira inclinada, o descanso como se o tempo tivesse dado uma trégua. “Eu gosto dessas cenas que parecem fora do tempo”, diz Olavo. “Você olha e não sabe se é 1982 ou 2025.”
Olavo conhece o centro desde os anos 1980, quando era um adolescente bancário no Banco do Brasil e saía à noite com o bolso cheio e o olhar curioso. “Eu ganhava mais dinheiro com 14 anos do que ganho hoje”, ri. “E já gostava da noite. Sempre trabalhei com tendências, e muita tendência nasce à noite.”
Décadas depois, ele trocou o terno de executivo por uma mochila e criou o Melhor de Sampa, página que virou referência de passeios e achados urbanos. Da pandemia pra cá, entre os cuidados com a mãe e as horas vagas das quintas e fins de semana, começou a transformar suas caminhadas em roteiros fotográficos noturnos.
Os passeios vão das 18h30 às 21h30, um recorte que pega o crepúsculo, mas evita o medo. “As pessoas acham que o centro morre à noite, mas ele respira. E hoje está muito mais seguro do que de dia. Tem policiamento 24 horas. O maior risco é andar com celular, câmera ninguém quer roubar”, brinca.



Entre roteiros e retratos
Guiar e fotografar ao mesmo tempo é uma coreografia delicada. Enquanto apresenta prédios art déco e becos que já abrigaram boates lendárias, Olavo dispara cliques rápidos. “O foco é cuidar das pessoas, garantir que se sintam seguras. Mas quando vejo uma luz boa, não resisto.”
São mais de 70 roteiros criados – do centro velho à Liberdade noturna, do Copan à Paulista – e pelo menos uma dúzia deles já renderam saídas fotográficas com direito a café, boas conversas e edições que viram madrugada adentro.
Com o material, Olavo começou a montar fanzines – pequenas revistas de fotos que ele imprime e vende. “A primeira tiragem esgotou. Já fiz a segunda. Tem gente colecionando. Acho que as pessoas têm fascínio e medo do centro, e o fanzine ajuda a quebrar isso.”



O equipamento e o olhar
Nada de câmeras caríssimas. Olavo fotografa com uma Cannon e uma lente 24 mm. “Não uso flash, prefiro a luz das ruas. Às vezes uso uns filtros que dão um efeito meio cyberpunk”, conta, com um sorriso de quem se diverte mais com o improviso do que com a técnica.
As edições seguem uma paleta particular: vermelhos puxados para o bordô, verdes azulados, contrastes quentes. “Eu gosto quando parece que a foto saiu de um sonho que você não sabe se foi bom ou ruim.”
Hoje, o trabalho dele mistura turismo, tendência e arte urbana. Uma trilogia que faz sentido: “Acho que tudo que fiz na vida foi para chegar até aqui. É como se o centro fosse meu laboratório de comportamento e luz.”
Depois de anos evitando pessoas nas fotos, Olavo agora as busca. “Antes eu esperava saírem do quadro. Agora quero que fiquem. Dá mais emoção. Ainda tenho vergonha de pedir, mas a maioria gosta. Só não sei dirigir poses. Quando peço, já estraga, né? A espontaneidade vai embora.”




Luz de rua e destino impresso
As fotos de Olavo hoje viram quadros, vendidos pessoalmente. “Entrego eu mesmo, com medo de quebrar no correio. Mas é bom, porque vejo a reação das pessoas.”
O próximo passo? Um espaço físico no coração da cidade: uma mistura de galeria, ateliê e ponto de encontro dos passeios. “Quero que seja um hub, um lugar onde a gente possa conversar sobre fotografia, mostrar trabalhos, planejar saídas. O centro merece um olhar bonito, e um café decente às nove da noite.”
E se alguém ainda disser que o centro de São Paulo é perigoso, Olavo provavelmente vai rir, ajustar a lente e responder: “Perigoso mesmo é não enxergar a beleza que ainda mora ali, bem iluminada pela luz amarela”.
Conheça o trabalho de Olavo Medeiros
Instagram: @omelhordesampa e @sampanoturna.